terça-feira, 28 de outubro de 2008

desagosto

Hoje, me pus a pensar sobre os destemperos do mundo. Todos eles. Principalmente os meus. Todas as perdas, as pessoas que se vão, as situações que se vão. Não há suficiência em qualquer possível válvula de escape. Qualquer tarde de pássaros e asfalto, qualquer cheiro de almoço vindo da calçada, qualquer doce, qualquer balcão, tudo que some, tudo que ninguém percebe – pouquíssima gente.
Fui ao banheiro me aplicar um remédio. Deixei a língua pra fora a gotejar saliva como se esvaísse em sangue. Todos foram embora, todos. Só sobraram os cotovelos a agüentar a mesa; eu, de barrigas e arrependimentos. Se houvesse o caminho, se houvesse volta... Que espírito me trouxe, me apartou dessa maneira definitiva? Galhos dentro de mim, fome, meu jeito não é de gente!, não tenho destinatários! Que desconforto de ser!
Se lesse, se fizesse, se agüentasse... Há muito não estou cabendo. Vou, ajo, trabalho e não faço nada, não grito mais pra fora, disfarço cantando dentro carro, mas qualquer curva me desconsola. Esôfago, traquéia, vias e náuseas: recados vindos dessa percepção.
O dia em que sobrarem meus ossos enterrados no chão, quero ver quem lembra, quero ver quem se incomoda, quero ver que esmola vai ser suficiente. Me dediquei demais a migalhas, fiz delas minha profissão. Não recomendo, mas, fora isso, o que há? Se de fora de mim houvesse um espelho – chamem do que quiserem –, o entendimento, mesmo que seco, mesmo que duro e petrificado, sem os leites que me adornam nessa loucura diária, sem os cachos vitrificados no meu desandamento, mesmo que salino, existiria. Existiria o entendimento, a compreensão e uma compaixão devotada, mas, e aí?, o que escolher? Mas não há escolha. Com qual das mãos ficar? Não há mãos! Há meu vício, escuso, inteiro, ferino, há minha automorte, minhas drogas de suicídio. Vou morrendo depois de uma grande viagem, a mais negligente de todas.

fevereiro 2008

Neste fim de semana alguém morreu. Cinco pessoas. Talvez mais. Três cachorros e mais três que enterramos. Plantas. Bichos. Calangos. Periquitos. Goiabeiras, pomar. Caixa de correio vazia. Sem cheiro, sem resposta. Grama. Um balanço de balançar. Tudo devagar e tudo de rompante, um golpe só, de ceifa. Mofo, barata. Roupas velhas. Sons de vento. Buraco de janela e céu de estrela ou de nada.
Não tenho torre, não tenho farol. Não queria escrever, não queria imaginar. Quero me retirar da lembrança dos outros, não quero ser lembrança.
De dia, no corredor. De noite, a fingir e procurar outras mãos. De vela, de sopro, de ossos que saltam pontiagudos a me espetar a carne. Mensagem sem ilustração. Tubos, fios, soro, transparência de recipientes constrangedores. Sem TV, sem meus discos. Sem trajetória. Só meus trejeitos a não enganar ninguém. Só esta voz que falha. Só o ácido. De viagem minha que vou e que fico. Areia a me entupir vísceras, veias e a respiração. Colo? Braços? Meus pés diminuindo no chão. Coração de Leonilson. Guache, pastel, carvão. Tomo banho e não encontro meu corpo. Sin. Sinner. Escuridão.

blind

O seu perfume ta sumindo, a nota de fundo desapareceu, há só um doce difícil de lembrar. Esconder de amor é horrível, esconder o seu é doloroso e impossível. Mas parece que é isso que você quer. Você vem me encontrar com elementos que me lembram, apetrechos, coisas que te dei, pra eu poder reparar, eu acho, mas o resto você deixa passar. Eu quero te dizer tudo, contar, como se você estivesse comigo naqueles momentos desprevenidos de chuva, na volta do Inglês, segurando mão na mão, quero os detalhes da conversa, como foi, como é, repetir a mesma coisa, tentando incluir um outro ângulo, mas esse seu jeito..., esse seu momento que sempre volta quando eu não estou..., suas manhas, seu mau humor, seu egoísmo de caçula...Que coisa! Que coisa!

you just keep me hanging on

Um dia, esqueceram de marcar no relógio, de anotar no calendário, um dia, foi o dia. Eu não sei bem se foi o dia em que, afetados pelo amargo da parafina descuidada, jogamos fora os ovos de páscoa da tia Cândida, ou se foi o dia em que chegamos de F-1000 no Prata, no replay da volta de Porto Alegre, ou se foi quando vimos a Esquadrilha da Fumaça no CAMARU, ou, então, quando eu e o Ita matamos aula em 1985 para ficarmos debaixo das colchas de madrigal, ou o Natal de 1987, ou o dia em que o Raoni voltou do hospital, com direito a brinde no almoço. Esse dia, não sei qual deles, esqueceram de marcar, esse dia foi o dia.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Em Brasília a vista alcança e vê, de longe, do longínquo, os monumentos de uma arquitetura Playmobil.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

parking lot

Ele me beija devagar e depois acelera, me beija de lábios, eu gosto, eu amo, eu adoro lábios (assim como essa palavra). Ficamos ali dividindo uma cumplicidade não sei de onde. Uma escondida e aparente, pra quem reparasse, mas estávamos tão ocupados em carinhos, que deu preguiça de pensar ou refletir sobre qualquer coisa, querer chegar a conclusões, essas coisas de psicanálise. E ele segurava minha mão entre a sua, a minha sumia, de tão pequena, ele segurava, fitava, como um refúgio, um jeito de conhecer meus dedos e, ao mesmo tempo, admirar. No meu colo ele deitava, apontava para onde queria que eu passasse a mão, e fechava os olhos e respirava fundo, e eu me ocupando de testas e cabelos. Que idade é essa, que idade de ficar dentro do carro, de pegar na mão, de abraçar forte como se aquilo fosse letra de música, como se fosse hora e pessoa apropriada em quem se acolher? Hoje eu não tenho quarenta, ainda, nem trinta, nem vinte e oito.
me jogaram pros leões..., direto na boca dos leões, e o pior é que eu gostei..., estou sendo devorada inteira, de manhã, de tarde, de noite, no inusitado...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

as imagens sumiram...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

celofane, crepom, machê, manteiga, jornal

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

meus ossos saltam pra fora como alfinetes, olho e me pareço com a menina pobre de meia-calça rasgada.

poema - cazuza e frejat

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Hoje acordei numa tremenda melancolia. Melancolia mesmo. Muitas vezes, a sensação que tenho é a de que estou sozinha no apartamento da Inge, onde fiquei assim por duas semanas, logo quando eu cheguei, tentando me preencher só da novidade e do que eu via, tentando fingir que isso fosse suficiente, sem alguém com quem rir, olhar e comentar. Sim, é uma sensação parecida.
Liguei o som do carro e ouvi a música do Klayton e Kledir “deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau...”e pensei, pôxa vida, se em 1983, eles já estavam cantando as saudades de uma Porto Alegre, que, talvez, já naquela época tinha ficado pra trás, o que sobrara pra mim, o que dizer hoje, então, já que 1983 é o meu próprio tempo Porto Alegre?