domingo, 27 de setembro de 2009

Gosto de jiló cru – pouca gente conhece – e uma memória quase inventada da casa velha da ponte. Os sapatinhos dela, beirando a cama, poderiam ser os de Mário Quintana. A gente confunde. Ou será que é o mesmo sapato?
Na beira da lareira, tomando chá de folhas-relíquias (desidratadas) vindas do cerrado, era o momento de misturar sensações e lugares. Misturar Les Bouchoux com os cheiros de doce em compota e o barulho das cabras – para queijos sec, demi sec – com ladeira de pedras empilhadas. E viajava. Sonhava. E sonhar é o que se pode fazer em qualquer lugar.
Que vontade de ser Cora. Velha Cora. Só hoje e só ela. Só hoje e só em 1981.
he was really rehearsing. he was! he meant that!
his face might have changed a lot, but not his body...
he was fifty, for christ sake!
to aqui nesse sentimento de véspera (já?). tudo parece besuntado de um óleo quente usado para dourar. o vento, ontem, no carro, era praticamente aventura. todas as cores de uma tarde que se deixava ser vista, como se olhar pela janela da sacada não tivesse sido ver a tarde.

tudo isso, alguém poderia dizer, com olhos óbvios, é o inferno astral. o vírus do inferno astral - poderia parecer mais poético, mas era bactéria mesmo, streptococos (não muito poético, né?), tudo indica.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Salve-se quem puder.

A manhã é clara, límpida, verde, seca de férias de manhã. Um seco limpo. A tarde começa a criar aquelas dissipações que dão sensação de água sobre o asfalto, como naquelas vertigens do deserto. Tudo começa a se confundir. As tardes são tardes. Mas essas aqui, essas aqui vêm querendo passar seu rolo compressor em cima daquelas manhãs. E, aí, não me contenta mais ser diligente, correr com prazos, porque essa molência traiçoeira de Goiás me faz voltar em pontos e suar os pés e me cria uma rebeldia de filho desgarrado. Não há nada do lado de fora, senão, o barulho dos dedos colocando (de novo) essas palavras aqui.
Cantarolo. Finjo que cantarolo, mas já não é âncora. Fica só o desejo, a vontade e a preguiça (que mereceria outro nome aqui).
Outside.
Era inverno em Porto Alegre. Vento no terraço do antigo hotel, na casa de Cultura Mário Quintana.
A vista era magnífica e o Guaíba, de cinza dentro, deixava-se refletir dos róseos que incidem no exato pedaço de rio na hora e lugar daquele pôr-do-sol.
Alguém tocava clarinete. Eu me debruçava no pára-peito e o frio adormecia o rosto e tudo mais numa mistura de preguiça, êxtase pela fotografia e vontade de tomar uma sopa e me vestir de um cobertor quentinho. Mas não queria que acabasse.
As pessoas corriam. Transporte público. Carros. Ontem geou.
Alguma coisa meio Bresson insistindo.

E fico pensando o que estou fazendo aqui nessas janelas. Nesses cubos que são apenas cubos. Se até os pombos vivem lá de fora. O que eu faço?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Bien des années plus tard, face au peloton d’exécution, le colonel Aureliano Bundia devait se rappeler ce lointain après-midi au cours duquel son pére l’emmena faire connaissance avec la glace. Macondo était alors un village d’une vingtaine de maisons en glaise et en roseaux, construites au bord d’une rivière don’t les eaux diaphanes roulaient sur un lit de pierres polies, blanches, énormes comme des oefs préhistoriques.
Você colhia lavanda. Era lavanda que você colhia. Nunca tínhamos visto lavanda antes, mas lembramos da palavra em inglês: lavender.
Era um campo, uma grama pra se deitar. Tudo me lembrava quadros impressionistas. E queria tanto que você me dedicasse um dos seus... Mesmo esse ar bucólico podia parecer com a gente. Se ontem era Londres e pouca luz, neblina dentro dos pubs, boa fumaça pra sorver sem grilos, hoje, isso aqui quase doendo de tanta cor. E tudo é bom. “Com você, tudo é bom”. Estar em Tupaciguara ou atravessar uma rua em Berlin. Tudo pode ser nosso na medida em que as coisas que estão em si e em nós nos cabem.
Eu tentei desenhar. Sei que fotografei. Pontos brancos e falta de fôlego no meio a um roxo-lilás. E lembrava sabão em pó, mas era tão bom. Ainda bem que trouxe uma garrafa de vinho escondida e encaixou bem.
De longe, um cachorro meio amarelo. Pensei, não existem cachorros por aqui. Chamamos, gritamos, mas ele parecia um lagarto, de tão arisco, nem olhou pro nosso rumo. Parecia uma pessoa, um europeu apressado indo trabalhar.
Rimos, deitamos, bebemos. Lembramos de umas músicas e cantamos alto. Ninguém ia entender se escutasse. Ninguém ia entender nada, como ninguém entendeu e nunca vai entender. Mas enquanto existir nós, enquanto existir a vontade e a falta de medo, tudo vai ser mais do que suficiente.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Era dia do casamento do meu tio. Capricho no condicionador. Lavanda da Mônica no pescoço. Tinha um nervosismo em mim. Sabe quando a gente fica nervosa por outra pessoa? A mão suando com o anelzinho no dedo do meio.
Mas aí, a sensação de começo de festa, com todos chegando, de roupa melhor que tinha. Tios, tios-avós, primos, vizinhos daquela rua. INXS tocando. Saias rodadas. As primas querendo ser pré-adolescentes.
Aquilo tudo era um momento de felicidade que parecia compensar uma falta de entendimento de que, ali, uma coisa estava mudando, e, pra sempre. A gente não entendia por que as pessoas choravam nos casamentos, mas a gente tinha um coraçãozinho batendo diferente por debaixo do conjuntinho vermelho. Um nó na garganta que naquela época não tinha nome. Tudo era misturado com o tédio de esperar o sermão acabar e de chegar a hora da festa e não sabíamos o que sentíamos.
Agora, as lembranças se misturam às imagens da câmera de vídeo. Parece que aquele foi o último dia de festa. Depois, doce de pêssego em calda nunca mais foi recompensa. Qualquer tarde de suar o pé passou a ser diferente. E nesses nós, repousa uma ignorância de não enxergar o que há pela frente. E eu não sei a dor que ia custar saber.
Quero cantar. Cantar e pular e recitar e decorar poemas e músicas que ninguém lembra. Quero ficar descalça. Quero abrir a porta. Quero ventilar em mim. Quero soprar. Quero brincar de sombra, de ligar e desligar o botão da televisão. Quero sentir cheiro de doce de queijo. Quero me esfolar no forro do sofá. Incomodar o irmão com o pé. Vir correndo e pular na piscina. Deitar com pouca roupa debaixo da colcha de matelassê. Tomar iogurte escondida. Quero passar Neutrox. Quero chamar o vizinho pelo muro. Quero pular num ombro. Quero ver verde e correr na colina. Quero comer pudim. Quero ir ao cinema. Quero estar de férias. Quero recortar papéis e colar e colorir e sentir cheiro de tinta guache dissolvida. Quero ver o céu. Quero ficar na chuva. Quero beber água no mato, na fonte. Quero ver as frutas. Quero tocar os veludos. Quero um colo, um cheiro, mãos pela madrugada e restos de gelatina pra comer direto na vasilha. Quero ralar o dedo, raspar a terra. Quero correr. Correr, correr, na velocidade do meu coração, da minha vontade. Correr, correr, correr. Quero suar minha mão em outra. Quero caminhar as ruas. Quero tomar sorvete. Quero beber cerveja. Quero ver o dia. Quero suco de uva. Quero roupa nova com cheiro de silk. Quero bola. Quero mãe e pai e peixes silenciosos. Quero jaca. Quero fogo e barulho. Quero sereno na barraca. Quero córrego. Quero palavras. Quero resposta. Quero ver a rua. Quero ver a vida. Quero subir na árvore. Cachorro quente. Quero gente, quero eu de antes e depois tudo misturado. Quero a mim e a todos. Quero os caninos de volta à casa. Quero minha família. Quero minha infância. Quero meus amigos. Quero guarda-roupas, talcos, cheiros, roupas. Quero. Bruta flor.

r.e.d

A gente achava que tava em Paris, se entupindo de cigarros sem filtro durante as intermináveis madrugadas que tinham só um assunto: o maio de 68. Não. O clima era tropical. Havia cigarro, mas, também, muita cerveja gelada que a gente ia bebendo, bebendo e discutindo e tinha que ir ao banheiro mijar naquelas pocilgas quase confortáveis. Aquilo ia adentrando até que o garçom varria nosso pé e decidíamos ir a outro boteco e a outro. Era tanto a se discutir. Uns otimistas carregavam umas frases debaixo dos braços: “to sentindo que agora a coisa vai mudar!” Os outros, que podiam ser do time daqueles que dão vexame, gritavam, quase cuspindo e chamando a atenção das crianças que ainda estivessem acordadas: “ta tudo uma merrrrrda!”.
E ali, uma idéia de uma nova charge, de um novo cartaz pra ser colado com grude subversivo nas madrugadas, de uma nova camiseta. Tudo se transformava em imagem e idéia se transformava em idéia.
Hoje, vendo essa foto aqui em preto e branco, camisa pólo apertada, grandes óculos dando charme e época pros adornos daquela imagem, penso como era bom. Como era cru e suficiente. Panfletos e gritaria e o lazer era no bar pra discutir depois da passeata, depois da assembléia, do comício. As crianças se aninhavam e pregavam adesivos pra todo lugar e em si mesmas, reclamavam e choravam de vontade de ir embora. Hoje, cresceram. Não sei o que estão discutindo no bar. Alguma coisa deve ter ficado. Alguma coisa sobrou.
Hoje, não sei. Hoje, só essa minha nostalgia de olhar a fotografia. Preto e branco. Óculos. Figurante. E tudo ficava bem na fotografia.