sexta-feira, 23 de abril de 2010

Genalva

Maíra Selva Borges

Genalva era o nome de uma respeitosa senhora de quarenta e poucos anos, apesar de aparentar um pouco mais, não tanto pela aparência, mas pela casca sisuda que suportava. Ela, há dezessete anos, prestava seus serviços de secretária competente ao Dr. Praxedes Filho. Numa noite clara de primavera, o ar quente e pesado que se depositava nas calçadas fazia com que a gente quisesse ficar sobre os telhados se refrescando, o que era mais uma desculpa para poder se reunir e ficar falando de sacanagem, ouviram-se gritos roucos, intensos e ao mesmo tempo sufocados pelos dentes a ranger de um ímpeto de loucura. Era Dona Genalva a rosnar e espernear em plena Praça da Matriz, arrancando suas roupas, mostrando o sutiã de bojos pontiagudos, comendo terra, com os cabelos soltos dos grampos. Tudo aquilo reuniu a cidade inteira, numa mistura de curiosidade, pena e até medo. Depois daquele dia, nunca mais se viu Dona Genalva. Alguns disseram que foi o próprio Dr. Praxedes Filho que providenciou sua remoção, porque a pobre sofria de distúrbios mentais. Outros, mais maliciosos, interpretaram que a secretária e seu chefe mantinham relações e, que, por algum motivo veio a se abalar, causando aquela tragédia.

Em homenagem a essa figura heróica da cidade, quando saíamos vestidos de mulher nos carnavais, eu fazia o meu número Genalva em praça pública. E foi assim por oito anos.

Durante as infindáveis noites carnavalescas, enquanto eu e os outros nos dedicávamos a tantas nádegas, o Bola se entretinha com grossos copos em algum canto. O Bola era daqueles caras escrachados, contadores de piada, sempre com o cofre a aparecer pelas bermudas, pêlos por todos os lados, sempre bebendo ou comendo alguma coisa. Talvez diante de todos esses atributos, o Bola nunca tinha sido visto com ninguém, garota nenhuma, nem de escola, nem de faculdade, nem de puteiro. Aquilo parecia preocupar menos aos outros do que a mim. E eis que, quando eu estava há cinco meses em Bruxelas, vivendo de bolsa, me chegou a notícia de que o Bola ia se casar. Ela, a Marilinha, mulher muito magrinha, muito baixinha, muito branquinha, de voz estridente e sotaque muito fresco de quem já morou em São Paulo, era considerada a figura mais chata da faculdade, com idéias reacionárias e sociabilidade frágil.

Quando voltei, encontrei o Bola, que agora tinha de ser chamado de José Carlos, completamente diferente. O cofre era contido com calças sungadas por cintos sociais, a barba, pela obrigação de ser feita todos os dias, apresentava-se empolada e vermelha, e as roupas dos momentos de lazer se limitavam a camisas pólo listradas. De fato, era outra pessoa: não bebia mais, não podia jogar bola, não encontrava mais ninguém; um completo estranho.

Assim, o Bola desapareceu completamente por mais de sete anos.

Um dia, numa dessas salas de embarque de aeroporto, com o estresse todo de nunca poder perder tempo, liguei o lap top para verificar minha caixa de e-mails. Estava lá um do Bola. Achei estranho, mas tinha ficado feliz com aquela aparição de apenas 2 K. Dizia apenas a seguinte frase: Genalva, vem me buscar que eu estou odiando. Respondi com um texto enorme (meu velho ranço jornalístico), caprichado, contando o que eu tinha feito durante esses anos, relembrando os velhos tempos, mas senti, de alguma maneira, que aquilo não era bem uma piada, mas um apelo. Não pedi endereço, telefone, nada, apenas confiei no poder do correio eletrônico.

Treze dias depois fiquei sabendo que o Bola tinha morrido, se suicidado. Não suportou descobrir que a Marilinha vinha o traindo há dois anos e sete meses com o Edmilson. Justo o Edmilson, que a gente encontrava ainda pelos supermercados comprando cerveja e mastigando amendoim, de Havaianas a refrescar uma eterna unha encravada, camiseta cavada e sovacos peludos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Edmilson seria um som
que parece que ja conheço,
mas a Genalva
seria um som de dona Dalva
any way
gostei de tudo