quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Era dia 31 e o supermercado estava cheio, mesmo sendo esse aqui, perto de casa, que freqüento há anos, onde tenho livre acesso ao açougue para a carne reservada. Teria evitado e ido só no dia 02, por exemplo, quando sobra alguma promoção de sobra. Mas, não sei o que houve, se é esse calor que vem de fora e, pior, de dentro, me transtornou ao ponto de esquecer que sempre vou à feira nas quintas.

Faltando mesmo um tomate para uma comida qualquer, na intenção de não se configurar uma ceia, tive que ir ao mercado, no contragosto e na contramão do planejamento do meu dia. Peguei o carro, apesar da pouca distância, por causa do sol e do já citado calor. Há um mês, em dias intercalados, ele tem tido dificuldade de ligar o motor, apesar de ter me dado muito pouco problema desde 1986, quando o adquiri de segunda mão – pertencia há dois anos à Dona Suely de Castro Ferreira, diretora da escola.
Olhei o crucifixo pendurado no retrovisor, me concentrei pra tentar de novo a partida. Depois de cinco tentativas, desisti, voltei e busquei a sombrinha pra ir a pé.
Nessa época, as sibipirunas soltam muitas flores e uma nódoa que cai em pingos sobre os carros. Apesar de essa cidade ser saudada por essas árvores, com uma tradicional festa anual para o aniversário da mais velha delas, me incomoda muito a sujeira que fazem. E o carro, já não bastasse estar com a pintura um pouco queimada de sol, ainda tem que conviver com as gotas que se impregnam.
No caminho, a molecada, alguns pelas férias escolares, outros, por nunca terem freqüentado, entulham as ruas descalços, chutando bolas dente-de-leite, quase acertam a Dona Nina passando pela calçada. E se me tropeçarem e eu sentir os cheiros suados de seus pescoços, sei que meu estômago vai embrulhar.
Além de cheio, não havia nada que prestasse no supermercado. Tudo podre e amassado. Recorri a uma massa congelada, que poderia estar ali há mais tempo do que o necessário, mas, dessa vez, resolvi não me preocupar.
Já caía o dia e o mesmo assunto intermitente na televisão. Hoje, a cachorra do vizinho se encontrava mais inquieta do que o normal, devia ser por alguma visita que chegara. Tanto barulho nesses dias, que minhas samambaias estão menos viçosas.
Mais tarde, vão mostrar a retrospectiva, que quero ver, e, depois, um filme.
Tocou o telefone, justo quando ia entrar no banho. Deve ser algum parente. As mesmas palavras de fim de ano, palavras que me passam como ônibus de número errado, me fazem pensar em outras coisas, sem ouvir o interlocutor – precisava passar uma Gilette nas pernas... Ta, ta bom, pra toda a sua família também. Amém.
Me dei o luxo de tomar banho de luzes apagadas. Longamente, da temperatura que queria. Lavei os cabelos, uma, duas vezes. Esfoliei os pés. A massa descongelando em cima da pia. Me demorei como há muito tempo.
Ao sair, me vi diante do armário de mogno. Sem explicar pouca coisa, no fundo das camisas de viscose, toco um peignoir de seda. Os espelhos, quantos espelhos... e eu, agora quase 22 horas, me deliciando com um peignoir e uma calcinha de cetim vermelho, há tanto tempo se escondendo de mim.
Mais um ano se esvai, um foguetório no meio da rua, gritaria no vizinho, cachorros latindo, mais uma ceia, mais uma cena, mais um ano que cai em qualquer buraco do esquecimento...

Nenhum comentário: