quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Cheirava a fumaça a casa. O que era bem natural pelos resquícios da presença do fogão à lenha, que quase nunca se encontrava completamente apagado.
O silêncio da tarde era participado de um liga e desliga do motor da geladeira e um tic-tac de um relógio antigo e persistente sobre o armário de metal da copa-cozinha.
Nenhuma poeira, apesar da terra vermelha de agosto do lado de fora da janela, de onde se avista um cachorro amarelo com dificuldade e preguiça de se coçar.
O chão de vermelhão parecia um espelho de gelatina imóvel, convidando meus pés a fazerem barulho com a borracha do solado.
Algum mosquito – mosca, como poderia querer traduzir um menos amineirado.
Os dedos, antes engordurados pelas peles e caldos, manchados do ocre do açafrão, agora cheiravam a sabonete verde barato – educadamente deixado sobre a pia à minha espera.
Os dedinhos dela tilintando sobre os joelhos. Frenéticos e falantes, os dedinhos, ocupando o espaço da timidez da falta de assunto – o que, também, não pode ser notado, já que a boa sala não se faz em silêncio.
A senhora, que quase não se sentava no sofá, a não ser nesses raros momentos de visita, vez por vez, soltava um melancólico e inspirado “ai, ai...”
O tempo parou. Eu não tinha vontade de sair dali, nem mudar o rumo da não-conversa. O que entorpecia era o mesmo que ligeiramente incomodava, mas a sensação de falta de pressa – coração desacelerado – era mais anestésica e envolvente como o cravo do doce de casca de laranja.
Me deixei ali, o olho a arder de enxergar aquela tarde amarela no meio do nada.

2 comentários:

Lua disse...

este texto me incomodou profundamente.

Maíra Selva disse...

incomodou?