sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Uma sala, pessoas conversando de cantinho e sonhos que um dia foram sonhos viram dados, contas, débitos...
“O apartamento de Taguatinga vale 300 mil...”
“E o que os meus pais têm a ver com isso?”
“Você ficou com tudo...”
“E as crianças?”
Uma viagem à praia e ele te abraçava no sol quente. Hoje, as fotos foram rasgadas. A barba de que você gostava, agora grisalha. Não lembrava mais que ele tinha um leve estrabismo no olho direito, hoje, aquilo salta aos olhos de qualquer passante. Uma camisa branca (nova? quem será que comprou? ele detestava comprar camisas...). O calor e o suor discreto. Hoje é quarta-feira, preciso fazer compras – e a voz dele ecoando... Me desligo e penso, também, o quanto envelheci, o quanto o meu medo se petrificou e virou garantia de uma postura de alguém que foi feita pra ficar sozinha. Dedicar-se aos filhos, sempre uma boa desculpa. Naquele banco duro de fórum sabia que não queria nunca mais sentar.
A saia da moça que chama os nomes era bonita. Mas não notaria isso hoje, talvez outro dia, numa fila de supermercado, não ali. E os fones de ouvido pendurados, ainda tinham Enya ao fundo, que tinha esquecido de desligar.
Hoje é quarta-feira, e não posso me esquecer de buscar a Fafi no balé.
“Se vendermos o apartamento de Taguatinga...”
Hoje é quarta-feira, tinha uma reunião no trabalho.
“E precisamos ver isso logo, porque tenho que pegar o vôo de volta...”
Uma quarta-feira, só mais uma quarta-feira e um aperto de mãos... talvez o último...

Nenhum comentário: