sexta-feira, 8 de maio de 2009

O meu buraco. O meu escuro começa na fresta de sol que vinha de manhã em cima da colcha de matelassê no quarto da minha mãe, bagunçando partículas no ar e esquentando as perninhas no último estágio do acordar. Na outra ponta, está o guarda-roupa bagunçado da minha avó com cheiro de guarda-roupa da minha avó com tesouras, calculadoras, surpresas, caminhos sempre escondidos. E você vai passando pelo meu uniforminho novo do Elefantinho e pela escultura de cerâmica no aparador antigo, tem também as formas no vidro da janela e as estrelas fluorescentes no teto. Meu buraco se aporta no pé de mexerica e no dia em que meu pai virou a mesa de cabeça pra baixo e fez uma piscina com lona amarela. Afunila em fórmica e texturas e cheiros de talco banho a banho e gostos de papel com sorvete napolitano. Dobrando a esquina, assim, ele contorna de tampinhas de guaraná e anelzinho no dedinho do meio e engole, te engole todo dia, sem você deixar, sem você ver, sem você permitir, te invade de noite, na cama, no banho, no silêncio do silêncio, entra por dentro, não há árvore, ramo, câmara de ar pra te salvar.
Você quer se salvar?

2 comentários:

kassiaindia disse...

Buraco tambem tem cor e odor. A dor é de todas as cores de nossa lembrança. Lembrança de criança grande.Grande do tamanho de um botão de flor. Flor de alecrim dourado, que sempre nasceu no campo sem ser semeado. Tal como a cor da graúna verde e talvez amarela. Tudo vai ser melhor, pois você ainda é a rainha do meu reino encantado de cinderela e branca de neve. Uma vez rainha nunca mais plebéia eu serei sempre a sua platéia. Te amo, te amo, te amoooooooo, meu jasmim em flor e a luz no fundo do meu buraco. De kassiaindia para cara pálida.

henrique vitorino disse...

Que beleza cara pálida! Um texto com sépia. Com musgo e gasto pelo tempo, por isso macio. Até onde os objetos ao nosso redor nos costróem, hein?? A família eu já imagino até onde.

bjs!