segunda-feira, 1 de setembro de 2008

child´s love

Um dia eu quero escrever sobre o amor de filho. Todo mundo só sabe falar do amor de mãe, tornando esse chavão tema central de novelas, filmes e capas inventadas da Revista Pais & Filhos. Sem poder/querer comparar o incomparável, penso que grande é o amor de filho.
E é uma coisa praticamente platônica, por ser mais pra contemplativa, aquela de pedestal, velada, amor de suspirar de noite, depois de chorar. Eu não sei se as mães sabem disso, eu teimo em dizer que não. Essas representações que se mostram, em tantas vezes na minha memória, num simples admirar minha mãe se aprontando pra sair, fazendo maquiagem, quando eu era pequena. A gente se debruçava, se pendurando na pia do banheiro, vendo ela passar o New Wave com glitter nos cabelos pra moldar um coque, passar blush, batom, lápis com tanta destreza (quando ela virava os olhos pra cima e abria de leve a boca, para nossa incompreensão) e ainda puxava um risquinho, como se estivesse aumentando o rasgo do olho. As coisas das quais lembro, talvez nem ela as saiba, os elementos de composição da personagem, da fantasia mãe... tudo, por mais que meros objetos ou simples ações, me ressuscita hoje, mesmo que em memória, o conforto que buscávamos nesses itens, como se tudo fosse colo e proteção.
O escarpin de couro de cobra, ou o preto, lindos, mostrando o peito do pé. O vestido azul Royal de linha, longo, com um decote nas costas, com o qual ela foi na festa de casamento da Valéria no salão da Spirandelli e ficou bêbada e chorava e ria ao mesmo tempo, assustando as crianças encolhidinhas com ela na cama.
E os vestidos – dois – sereia da formatura no anfiteatro da UFU; aquilo era pra se descer escadaria, sei lá, coisa de se admirar, cantar música no palco. Mais tarde, ela merecia, foi presenteada com uma taça enorme (pelo menos para os meus olhos de 1987) de sorvete no Choppizza e o disco Dois do Legião Urbana, com dedicatória de caneta Bic na capa.
E quando ela amassou os cabelos feito papel crepom para ir à festa do Túlio. Ou quando ela, de saia-calça de seda, se produziu e chegou atrasada, mas arrasou, com pauzinhos japoneses no cabelo, combinando com a decoração de origamis do Sólon.
E ela atrasava pra me buscar no Elefantinho, e chegava com as unhas sujas pela xilogravura, fazendo dissipar o grilo de mais de uma hora de espera e até parecia que não ia acontecer de novo.
O perfume Hit, da L´Aqua di Fiori, a loção firmadora dos seios, o shampoo Monange de mel, o sabonete de aveia... A gente abria seu guarda-roupa só pra ficar olhando, examinando, decorando as roupas, as coisas dela, os cheiros de perfume, talco Banho a Banho, Care free, tudo misturado...
E tudo isso ela não sabe. Não sabe que a gente queria imitá-la, queria cortar também o cabelo na Maria Eugênia, mas não era longo e preto igual ao dela, que ela passava henna e tinha franjinha, ela podia ter franjinha, ela era a pessoa de franjinha, porque ela era a menina cocota gatinha dos anos 80, de Santana vermelho metálico, quando fazia sentido enunciar o nome dessa cor. Ser mulher, pra gente, era ser ela, refletir sobre isso era pensar que ela sabia ser mulher.
E hoje, impossível não me engasgar e não sonhar que ela volte a ter 20 e alguns anos, porque hoje ela tem 46 e acha que tem 50 há dez. Porque, se essa moça, essa menina, de mãos na cintura contemplando o rio Araguaia, de roupa preta de cotton rumo ao aeroporto, de madrinha de casamento em 1989, essa mulher-criança de língua pra fora na fotografia mora dentro de mim, por que não vive também dentro dela?

3 comentários:

Adriele Maia disse...

aahhh essas nossas mães novinhas... é incrível como elas podem ficar tão próximas das filhas... engraçado que sempre briguei com minha mae por ela ficar vendo desenho animado... até hoje ela vê, mas hoje eu acho isso lindo, acho isso puro...
Seus posts andam me fazendo bem...
beijos

Maíra Selva disse...

que bom... acho que nós duas não estamos na nossa melhor fase... esse 2008 que nao acaba...

Rose Dayanne disse...

Lembra-se do "cheiro de mãe", do joelho da mãe, das roupas da mãe, de todo o aroma desse ser?!
lembro-me quase todos os dias, aliás, todos os dias... Quando a visito costumo trazer uma peça de roupa, digo que a usarei qualquer dia, contudo, minto, costumo cheirá-la antes de dormir... Então, penso num "child's love" antes de dormir